sábado, 2 de janeiro de 2016




Combinaram passar o final do ano juntos. Um jantar a dois, uma passagem pelo Terreiro do Paço, sonhos com cores de artifício e mil promessas para cumprir nos próximos 365 dias.
Um telemóvel que apenas aprendeu a tocar, uma resma de mensagens sem resposta, o mundo a desvanecer-se e uma necessidade súbita de continuar a noite, tocá-la a duas mãos.
Entrou no restaurante e era a única pessoa só. Sentou-se na mesa e olhou em volta. Todas as pessoas brindavam, todas as pessoas conversavam animadamente, todas as pessoas encontravam a felicidade no convívio estridente. Pediu a refeição e conviveu animadamente com dois copos de vinho branco. Usufruiu do silêncio necessário para dispensar a sua atenção a um maravilhoso Shahi Paneer, repasto indiano de queijo com um molho de especiarias capaz de elevar um barco aos céus. Depois, procurou a calçada que a levou ao Terreiro do Paço, abeirou-se do palco e viu Luís Represas a cantar. Cansado, descaído, sem um pingo de passagem de ano que lhe animasse o corpo. Eventualmente, também alguém lhe teria falhado nas expectativas, ou a vida, ou alguma coisa que teimasse em não vir ao seu encontro. Cantava, mesmo assim, e dizia que "ser poeta é ser mais alto". Apeteceu-lhe proibi-lo de cantar uma música assim, tão diferente lhe pareceu o estado de espírito do cantor. De repente, pensou que tinha muito mais sorte do que o Luís Represas, porque não tinha que expor a sua tristeza perante ninguém, tão invisível se sentia no meio da multidão.
A noite foi correndo sem magia, já não pela sua solidão, mas pela ausência da arte. Ninguém ficaria deslumbrado perante os espectáculos da noite de passagem de ano, no Terreiro do Paço. Especial, era um espaço enorme repleto de gente, umas duzentas mil pessoas, que conseguiram encontrar-se para celebrar juntas um momento a que deram uma importância sincronizada. À meia-noite ali estavam embaladas nas cores garridas que explodiam no ar, e beijavam-se, e abraçavam-se, e bebiam, e entrelaçavam as mãos para olharem o rio,...
Ela pediu aos seus passos que a levassem de volta, entrou no carro e ligou o ar quente. Quando a viagem chegava ao fim, o telefone tocou e era um amigo de voz sempre embriagante, falando-lhe da estima infindável que os unirá para sempre. Não lhe falou das coisas boas que virão em 2016. Disse-lhe apenas que talvez aquele tenha sido o último telefonema de início de ano, tão receoso se sentia da sua saúde. E essas possibilidades de perda dos que pretendem ficar e não têm como controlar as partidas perpétuas, essas é que estragam as noites e todas as horas que podiam ser especiais.
Tirou a máquina fotográfica da mochila enquanto ele falava, "clicou o mundo", porque lhe faltavam as palavras.
Quando viu as fotografias da noite de passagem de ano, descobriu que o fogo de artifício é um estranho engenho feito de lágrimas de chuva que escorregam da vidraça dos carros, com uma pitada de luzes de rua.

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