sábado, 20 de fevereiro de 2016

Gosto disto, sei lá. Gosto de chegar, que me metas na ordem para que não haja dúvidas sobre quem manda aqui, gosto de te ignorar como quem não ousa olhar a superioridade a direito e que tu depois venhas com falinhas mansas, como quem deixa de se alimentar do comando. Gosto mesmo disto!

domingo, 14 de fevereiro de 2016

É chegado o momento em que a falta a respiração me ataca e a reanimação terá que ser feita com um golpe de aventura. Levem-me daqui para um lugar distante da pobreza do dia-a-dia sem esperança, porque eu morro com a ausência do sonho, e não quero ainda acabar-me.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

A família é a coisa mais importante que tu podes ter. Não precisas de estar sempre com a família para sentires que a tens. A família conhece o berço onde nasceste, sabe a pessoa que tu és e nunca duvida de ti. A família não te aponta dedos quando tu mais precisas de um abraço. A família entende-te com um olhar e conhece o significado do tom da tua voz. A família sente-te e sabe o que sentes. A família, muitas vezes, demasiadas vezes, não inclui os que têm o teu sangue.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Sempre que a paz me visita, faço do regresso a casa um motivo de passeio. Sabe-me bem, este deixar do trabalho no trabalho, deleitar a vista pelas pessoas e pela noite que alumia os espíritos. Sinto-os à minha volta, a cirandarem à minha volta, e gosto...
O mundo é simples e bom, quando coexistimos num acto de compreensão espontânea, só porque sim, porque estamos bem.
As regras dizem que os passeios são um espaço de passagem, e eu concordo mas, à noite, os passeios são aglomerados de pedras amaciados pela estagnação dos que não têm nada a fazer, a não ser aproveitar o tempo para dar despreocupação à vida. Deixo-os estar parados no passeio, a empatarem o meu caminho,... e que mal é esse, quando tenho um pedaço de alcatrão por conta dos meus pés? Passo na estrada e estendo-lhes, sorrateira, a tangência do olhar.  Vejo o grupo dos amigos, uns três a decidirem o melhor caminho para chegar além, uns dois mais afastados, enlaçados em beijos que dançam entre o mimo e a quentura do amor ainda fresco. O caminho é por onde for, e os amigos que os levem, que o destino já o sabem e o caminho pouco importa.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016




Pediste-me hoje que tirasse uma fotografia para te oferecer e eu quis fazer o meu melhor. Estava eu na Graça a passear-me em busca de um bom motivo para fazer um click, e o disparador da minha máquina avariou. Uma semana sem máquina, pago o que devo e abraço-a de novo. Estou assim, não vale a pena chorar o que acontece quando já tenho em mente que terei um final feliz, ... eu e a minha máquina... 

Vou contar-te uma história, uma boa entre as possíveis. 

Era uma vez um pássaro que vivia à beira rio. Durante os primeiros anos de vida foi feliz, porque lhe bastava a contemplação da liberdade do rio. Qualidade de vida, era a sua! Adormecia todos os dias aninhado numa janela centenária do Terreiro do Paço, abria os olhos aos primeiros raios de luz, abria as asas num espreguiçar dali até ao céu e punha-se a andar, vaidoso e dengoso até às margens da cidade. Certo dia, porém, acordou triste com a sua vida. Sempre a mesma liberdade é coisa que aprisiona, pensou ele. E é. 
Nesse dia, andou por outros caminhos. Viu coisas bizarras e nem sabia o que pensar. Um pássaro estampado numa parede sem se mexer? Que raio de animal tão estranho, e cheio de dentes ou o que raio era aquilo? Cabelos no céu muito quietos a contemplarem a terra? Uma gaiola vazia e dois músicos a tocarem a liberdade dos que se soltaram? Isso sim, fez-lhe sentido. 
Nessa noite voltou feliz e contente ao Terreiro do Paço e, quando deu por si, adormecia contente. Que bom que tinha sido aproveitar a sua liberdade para sair de si próprio, ver coisas que não tinha entendido, intrigar-se com isso, questionar-se se os voos fazem sentido, e de repente encontrar respostas felizes, que satisfazem andanças e voos. 
Amanhã voltará a voar. Depois de amanhã também. E todos os dias será assim, até que tenha asas,... e terá sempre asas.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Se tu podes deixar que te saiam do peito as palavras e as emoções, se tu podes rir até contorceres o abdómen da dor que o prazer te provoca, se olhas à tua volta e os outros estão exactamente como tu, será difícil que te sintas só.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Saí de casa animada, hoje. Voltei um pouco a ser como as pessoas normais, que trabalham cinco dias por semana e aproveitam os outros dois para fazer coisas que lhes dêem prazer. E foi com um sorriso que saí de casa, hoje, e apanhei o eléctrico para ir até à Graça, passear-me e tirar umas fotografias.
Abeirava-me eu da paragem do eléctrico quando reparei que um rapaz me sorria e eu não sabia quem ele era. Achei estranho, mas depois percebi que eu vinha a sorrir e o meu sorriso chamou a sua atenção. Quando eu passei por ele, disse-me que eu era linda e eu fiquei sem saber se me havia de valer da nova lei do piropo ou se havia de deixar de sorrir. Não fiz nem uma coisa nem outra, mas percebi que o sorriso faz as pessoas lindas. Desejei sorrir todos os dias, não para ser linda, mas para que me sorriam e me digam algo que recompense o estado de boa disposição. Não quis apanhar o mesmo eléctrico do que ele, porque não me apeteceu ir de pé num transporte atulhado de gente. O eléctrico dá-me aquela sensação boa do tosco misturado com o requinte de usufruirmos de um transporte que se tem conservado muito por orgulho e vaidade, por isso quero sempre ir sentada, a olhar as madeiras velhas das janelinhas, a olhar o guarda-freio e a pensar como é que ele faz aquilo e a coisa não descarrila. Agora existem mulheres condutoras de eléctrico e eu gosto de as ver a conduzir, porque os seus gestos são normalmente mais delicados, o que faz com que sintamos que o eléctrico anda mais acarinhado.
Estava eu em pensamentos destes e noutros mais ou menos diferentes quando entrou uma senhora, toda ela vestida de beije e de chapéu muito bem armado na cabeça. Ficou ainda mais patusca quando falou: andam por aí carteiristas ou quê? Dei comigo a responder-lhe: estou aqui eu, minha senhora, mas não se preocupe que hoje vou sentadinha.  Quando ela me sorriu, tinha no rosto a expressão de quem não esperava uma resposta. E disse: você não me mete medo, vejo bem que anda ao mesmo que eu. 
Andaremos sim, todos ao mesmo, nas azáfamas dos dias gravados nas linhas que se desenham nas estradas velhas da cidade.
No eléctrico, tenho esta sensação boa. O espaço é invadido pelas almas simples das pessoas que ali andavam noutros tempos, e elas segredam-nos a espontaneidade de falarmos uns com os outros, ainda que nunca nos tenhamos visto.
Adoro o eléctrico, os metaizinhos da máquina que me transporta, as mãos sábias dos guarda-freios vestidos de um azul muito anoitecido, as madeiras das janelas e os fechos de um metal mais do que envelhecido, as senhoras que entram e que têm boca para falar com toda a gente, eu ali sentada a ter boca para falar com toda a gente, ... deixar depois aquele reino e encontrar um castelo no meu caminho.
Haverá alguma coisa mais mágica do que este deixar-me ir até esbarrar-me com um passado que se deleita em conversas animadas com o  meu presente? Amo Lisboa. Amo-me feliz em Lisboa.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Se vires um pirilampo na paragem do eléctrico à tardinha, no lusco-fusco das doces aparições, não sou eu. Se sentires uma aragem teimosa no meio de uma tarde tórrida, não sou eu. Se pedires uma cerveja preta na esplanada do centro da praça e ta servirem com uma densa espuma roxa, não sou eu. Se pedires para fazer uma cópia de uma chave que abra os horizontes da dobra de uma esquina vazia e ta entregarem num porta-chaves com muitas luzes garridas, não sou eu. Se quiseres manter-te sério e ouvires uma gargalhada estridente, não sou eu. Se te aparecer uma nuvem morena embrulhada numa manta de retalhos multicolores, posso ser eu a adiar a chuva, e a chuva a adiar-me de ti.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

O passado é um amigo que nos visita na penumbra da nossa solidão, e como quem não aprendeu a agasalhar-se de uma matéria-prima qualquer, cobre-nos de nostalgia. Senta-se connosco. Contempla o nosso melhor bule que nos fumega o interior, acende uma lareira imaginária que nos afaga, e fica por ali, sem ter pedido licença, nem para nos visitar, nem para se despedir. É nesse ambiente de intimidade connosco que temos a noção estúpida da irreversibilidade de todas as coisas.