sábado, 7 de maio de 2016

Gosto do amor,
meu amor,
das alvoradas sem palavras,
do chilrear dos pássaros
que papagueiam por nós,
de ser o teu bébé,
tété, mémé,...
Paga-me as contas!

Gosto do amor,
meu amor,
das tardes de mão dada,
que assedies as mulheres
e eu não dou por nada,
sou o teu xuxu,
mumu, tutu,...
Lava-me o carro!

Gosto do amor,
meu amor,
das noites em que não estás,
escutar os ecos de um silêncio apetecido,
que sejas o meu tótó,
bóbó, mómó,...
e o António aqui tão perto!

quarta-feira, 4 de maio de 2016




A MAÇÃ QUE ANOITECE


Dona Mariana de Sá, nascida em 1918 , era amante de frutas frescas e doces. Quis ver o seu

nome em acrescentos de poesias arrancadas à terra, e assim o alindou com um "Pereira" de seu

marido. Mulher de mais atitudes do que de falas, nunca me contou o que a terá feito decidir­-se

pelo casamento com Leonardo Pereira, mas não me espantaria se tivessem sido os seus olhos

mágicos, que mudavam de cor ao ritmo das emoções ou à falta delas.

Dona Mariana não era nem muito bela, nem muito esbelta, nem muito nada do que fosse moda

para a época. Trabalhava num banco e ocupava-­se da família, o melhor que podia. Tinha as

suas amigas, mas nenhuma que compreendesse os desafios de uma mulher mais do que

moderna para o seu tempo, que ganhava o seu sustento.

Amava a sua casa virada para o mar. As conversas mais íntimas, tinha-­as com a macieira que

se enraizara no seu pequeno jardim, debruçada sobre a janela do seu quarto.

Numa noite, decidiu o resto dos seus dias. Recebeu em casa uns amigos, sorriu­-se com eles e

deu-­lhes de jantar. Em agradável conversa, Leonardo terá dito aos comensais que encontrava na

mulher a amizade de uma irmã.

Mais um conhaque e um café e não tardaram as despedidas. Dona Mariana preparou o sofá da

sala com lençóis de solteiro e disse:

­ A partir de hoje durma na sala, porque os irmãos não dormem juntos. Ah!, e não me dirija mais

a palavra.

O silêncio fez-­se até ao dia em que o destino roubou Dona Mariana à vida e aos seus.

Leonardo, que ao longo dos anos intensificava sestas em outros leitos que não o matrimonial,

deixou-­se de aventuras e voltou a dormir no quarto que tinha sido da mulher. Todas as noites,

antes de se deitar, tinha o cuidado de deixar a janela aberta, porque acreditava que Mariana o

visitaria, galgando a pequena parede que separava o quarto do quintal. Traria na mão direita um

cesto de verga cheio de maçãs vermelhas acabadas de colher, e assim voltariam a ser um casal.

Pensamentos e imaginações de um velho só, coisas próprias de demência ou de saudade,...

nem sei bem se a saudade não será um estado de demência dos que perdem o que mais não

podem agarrar.

Sei que Leonardo amuou e, num dia em que se zangou mais do que o costume com a ausência

casmurra da mulher, fechou a janela do quarto e decidiu que o assunto assim se encerraria para

sempre.

Nessa noite, num rompante estridente que se fez notar pela janela, o quarto foi invadido por uma

maçã gigante, muito vermelha e brilhante, e o fruto, abrindo-­se em duas partes sobre a cama do

homem adormecido, roubou o corpo ao leito e voou rumo a um céu imenso.

À passagem pela lua, estavam as estrelas aninhadas nas traseiras de um quarto crescente, só

para os ver passar,... o homem e a maçã.