quinta-feira, 7 de janeiro de 2016




DA SOBREVIVÊNCIA

Trabalho menor, é todo o trabalho que nos mata por dentro. Estou agora a ter uma formação para fazer um trabalho menor, e só não me vai matar de todo, porque acredito que será temporário. Já fiz outras vezes este tipo de trabalho e sei ao que vou. Um mês de formação remunerada que não paga o esforço em que me sinto, e ainda só vou no segundo dia.
Na minha turma, felizmente, parece não haver ninguém que bata certo do miolo, e ainda bem!, mas somos todos contidos,... menos um...
Na sala do lado, está uma turma de gente amorfa, em vésperas de se meter dentro de um caixão e abalar desta para melhor. Credo!, que me agonio, cada vez que passo por eles para fazer um intervalo. Hoje, com esperanças que aquela gente não estivesse assim devido ao estado de avanço da formação, chutei para a minha formadora:
- Estes colegas aqui da sala ao lado são diferentes, não são?
Abanou um sim quase tímido e eu percebi que eles não representam a evolução normal do nosso estado de espírito, à medida que a coisa avança. Ufff!, que bom.
Mas, como eu fui dizendo, somos todos contidos menos um...
O Rui é um adulto que não cresceu o suficiente para aturar o lado mau da vida com expressão sisuda. É desadequado e faz-me rir com muita vontade. Mas tem sentido de oportunidade, porque me anima sempre que estou à beira de um ataque de nervos. O seu sangue africano não o deixa encobrir que gosta de damas e, no primeiro dia, lá se metia descaradamente com uma coleguinha tímida, e arrancava os sorrisos dos homens europeus, naturalmente sempre mais contidos nas suas abordagens. E diz que se os clientes o ameaçarem estará preparado para lhes bater à porta em modo agressivo, porque afinal,... somos ou não somos da margem sul?
Eu não sou da margem sul, mas serei dali mesmo cada vez que me irritarem, e vou lembrar-me sempre do Rui cada vez que o trabalho me correr menos bem, porque o que é desadequado socialmente, é muitas vezes o bálsamo que nos faz anestesiar a pele, atenuando a irritação causada pelo mundo a tocar-nos.
Benditos todos os Ruis desadequados, e mais o trajecto de metro até casa, sobretudo quando a viagem deixa de exigir que eu converse com o último colega que saiu no Marquês (o Sebastião José que o ature!). Bendita a calçada lustrosa que conduz à minha rua. Bendita a chave que encontro na mochila e continua a servir na fechadura que dá acesso à minha escada. Bendito a chave que faz chiar a porta de entrada, e mais o cheiro calmante da casa. Bendito o Pedro que já me ligou para me dar aquela palavrinha diária que me faz bem. Bendita a comadre que me liga e que se ri comigo das desgraças em que nos metemos. Bendito o computador e mais as estatísticas que me dizem que alguém leu o meu blog na minha ausência. Bendita a chaleira ao lume numa chiadeira que promete um chá quentinho e mais a cama onde me deito, beberico, escrevo e durmo.
Amanhã acordo de novo para mais um pingo de morte passageira e renascerei aqui outra vez, aqui e no início do regresso.
Enquanto os dias acabarem no renascimento e enquanto houver um Rui a colorir o desbotado dos meus dias, algo me diz que sobreviverei.

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