segunda-feira, 21 de dezembro de 2015



CHAPÉUS, HÁ MUITOS!
Hoje, como tantas vezes, foi dia de Chiado. Todos temos um sítio onde tudo nos acontece. A mim é no Chiado, e tudo o que anda por ali perto. Às vezes parece que não é nada, mas é um foco de luz que me mostra os contornos de uma fachada, ou o gingar do homem estátua que, cansado de estar suspenso, diz ao Pessoa que sabe bem ser animado pelos músicos de rua.
Hoje, como sempre, foi diferente. Era uma mulher muito pequenina com dois livros iguais na mão, que me perguntou se eu conhecia aquela autora. Não, o livro tem uma capa fabulosa, cheia de cor, mas não a conheço. Agora conhece, sim, que sou eu.
Que ternura, a sério, que ternura um autor vir para a rua falar com as pessoas, trazer as páginas, soltar as palavras...falar com as pessoas e as conversas serem a filosofia que se encontrou para se explicar o mundo. Uma mulher muito pequenina, e eu cheia de culpa, de repente, de não me lembrar dela, ali mesmo da televisão que tão poucas vezes me tem feito companhia.
Sabe, as pessoas dizem que não têm tempo, mas o tempo é uma coisa que ninguém tem, não depende de nós. O que as pessoas não têm é paciência, paciência para conhecerem os outros, e para ouvirem o que os outros têm para dizer.
Que engraçado, você é tão teatral, não me lembro de olhar para si na televisão, nem no teatro, nem em lado nenhum, mas gosto imenso de olhar para si, do seu ar profundamente teatral.
A sério?
A sério.
Tinha aquele ar de personagem que nunca se deixa ver, desencantada talvez do mais imaginário de si.
Afinal vem de Paris, vem de Paris como o chapéu que lhe coroa a cabeça na perfeição, e usa-o com aquela simplicidade das pessoas de Paris, que enterram chapéus como se não tivessem nada na cabeça, a não ser o charme que as acompanha, e foi assim que a vi.
Devo estar com os dentes cheios de baton.
Está sim senhora, tem os dentes cheios de um vermelho intenso, como quem mastiga e saboreia as palavras, e elas têm o sangue, e a cor, e a alma.
Dissemos mais umas coisas, muitas coisas, e no final das palavras demos um abraço, como quem agradece ter havido coisas para dizer
Continuei a descer o Chiado, e o fim de tarde começou exactamente assim, com as pernas a andarem correctamente, e a cabeça já não sei onde...



Este é um texto de 1 de Dezembro de 2014. Esta senhora disse-me que vende muito bem e que estava a aproveitar as férias de Natal para mostrar o seu livro e falar com as pessoas. Que voltaria a Paris depois do Natal. 
Nada disso. Vi-a várias vezes em Janeiro, em Fevereiro, em Março e eu sei lá que mais. Um dia cumprimentei-a e franziu tanto o sobrolho quando lhe disse que tinha escrito sobre a nossa conversa! Tinha se esquecido de como era bom falar comigo. Não quis saber. Uma falta de charme, que não havia chapéu que lhe valesse...

E assim se mata o que realmente não existe.
Idiota!

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